Os negócios das empresas estão relacionados à administração de riscos. Aquelas com maior competência obtêm êxito; as outras fracassam. Embora algumas aceitem os riscos financeiros incorridos de forma passiva, outras se esforçam em conseguir alguma vantagem competitiva, expondo-se a riscos de maneira estratégica. Porém, em ambos os casos, esses riscos devem ser monitorados cuidadosamente, visto que podem acarretar grandes perdas.
De acordo com Jorion (2001), risco pode ser definido como a volatilidade de resultados inesperados, normalmente relacionada ao valor de ativos ou passivos de interesse. As empresas estão dispostas a diversos tipos de riscos, que podem ser divididos em risco estratégico e não-estratégico. Os riscos estratégicos são aqueles assumidos voluntariamente, a fim de criar vantagem competitiva e valorizar a empresa perante seus acionistas. Esse risco está relacionado ao setor da economia em que a empresa atua e inclui inovações tecnológicas, desenho de produtos e marketing. A alavancagem operacional, que relaciona os custos fixos e os custos variáveis, também é, em grande parte, uma variável de escolha. Uma exposição cautelosa e bem pensada a esse tipo de risco é fator fundamental para o êxito de todas as atividades comerciais. Estas também incluem a exposição a riscos macroeconômicos que resultam de ciclos de negócios ou flutuações de renda e políticas monetárias.
Outros riscos sobre os quais a empresa não possui controle podem ser rotulados de riscos não-estratégicos. Estes incluem os riscos fundamentais que resultam de mudanças essenciais no cenário econômico ou político. Exemplo disso foi a pandemia de COVID-19, que provocou disrupções globais nas cadeias de suprimentos, levando à escassez de insumos e impactando setores industriais de maneira significativa. A expropriação e a nacionalização também fazem parte dos riscos fundamentais. Esses riscos são difíceis de se proteger (hedgear), a não ser pela diversificação dos negócios entre atividades e países distintos.
O Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO), órgão americano que, dentre outras coisas, estabelecem diretrizes para a gestão de risco, entende que a gestão de riscos corporativos (Enterprise Risk Management – ERM) engloba a cultura, capacidades e práticas que as organizações integram com a definição da estratégia e aplicam quando executam essa estratégia, com o objetivo de gerenciar o risco para a criação, preservação e realização de valor (COSO, 2017). Essa análise envolve tanto aspectos qualitativos, quanto quantitativos. Dentre os métodos para avaliação do risco, o arcabouço do Value-at-Risk (VAR) se mostrou uma das mais relevantes no contexto da ERM e será abordado nos tópicos subsequentes.
Entendendo o cálculo do VaR individual
O VAR sintetiza a maior perda esperada dentro de determinado período de tempo, sob condições normais de mercado, e dentro de um intervalo de confiança. Para isso, o cálculo do value-at-risk faz uso de conceitos básicos de estatística, como distribuição de variáveis aleatórias e probabilidade.
Suponha que um investidor comprou hoje a ação de uma empresa por R$ 100 e ele está interessado em saber o que pode acontecer com o seu investimento no dia seguinte a partir da seguinte fórmula:
Sendo,
o valor da ação no dia,
o valor da ação após 1 dia;
a taxa de retorno do preço da ação em 1 dia.
Nesse caso, R é uma variável aleatória que pode assumir valores descritos por meio de uma distribuição de probabilidade, com uma certa variância (σ2), desvio-padrão (σ) e valor esperado/média (μ). Se assumirmos que a forma da distribuição de probabilidade de R segue uma distribuição normal, por meio da média e desvio-padrão, podemos calcular um intervalo que engloba todos os valores que poderá assumir para um dado intervalo de confiança.
Por exemplo, se segue uma distribuição normal com σ igual a 10% e μ igual a 10%, sabemos que o intervalo de valores que vai de -10% até 30% engloba todos os retornos que essa variável poderá assumir com 95,5% de confiança. Isso porque, para toda função de distribuição normal, o intervalo que vai de μ-2σ até μ+2σ engloba, com 95,5% de confiança, todos os valores que a variável pode assumir.
Por exclusão, é possível também dizer que há uma probabilidade de 4,5% de R assumir valores extremos abaixo de -10% ou acima de 30%. Além disso, como a distribuição é simétrica, podemos dizer também que há 2,25% (4,5÷2) de chance de R assumir um valor abaixo de -10%. Utilizando a fórmula acima, e assumindo que a ação foi comprada a R$ 100,00. O valor esperado para S1 seria:
No entanto, existe uma probabilidade de 2,25% de retorno ser igual ou inferior a -10%. Considerando um retorno de -10%, o S1 seria:
Conclui-se, portanto, que existe 2,25% de chance do investimento sofrer uma perda de R$ 20,00 em relação ao seu valor esperado (110-90), ou seja, um Value-at-Risk de R$ 20,00 em um dia. Sendo assim, com esse simples exemplo, é fácil notar o que o VaR significa: ele é a perda com relação a um valor esperado em um cenário negativo e pouco provável, embora possível.
Esse mesmo resultado pode ser obtido a partir da seguinte fórmula:
Sendo,
o ponto crítico da função de distribuição de probabilidade para o intervalo de confiança escolhido;
a unidade de tempo
No exemplo, o VaR foi calculado para 1 dia com 97,5%. Portanto, = 2 e
= 1. Outros intervalos de confiança, possuem outros pontos críticos, como 95%, em que
= 1,65 e 99%, em que
= 2,33.
É evidente, no entanto, que o VaR calculado dessa maneira possui premissas que podem ou não ser realistas. Por exemplo, os retornos podem não ter uma distribuição normal. Nesse caso, os estudiosos vêm desenvolvendo maneiras mais sofisticadas de se calcular o VaR.
O Value-at-Risk (VaR), em sua forma básica, pressupõe distribuições normais para os retornos dos ativos e utiliza medidas estatísticas simples para determinar as perdas potenciais dentro de intervalos de confiança específicos. No entanto, as limitações dessa abordagem básica levaram ao desenvolvimento de metodologias mais avançadas, que buscam capturar a complexidade e a não linearidade do comportamento dos ativos financeiros. Entre essas abordagens, destacam-se:
De acordo com a análise de portfólio de Harry Markowitz em 1959, a diversificação dos investimentos através de diferentes fontes de riscos financeiros permite uma otimização da relação risco x retorno de uma carteira. Ou seja, na perspectiva de um portfólio de investimento, pode-se minimizar um risco para a obtenção de um mesmo retorno, ou maximizar o retorno a partir de um determinado nível de risco por meio da diversificação.
A análise do VaR de um portfólio, portanto, oferece uma noção mais completa dos riscos financeiros de uma empresa e sua otimização ao considerar as implicações de Markowitz (1959).
Um portfólio pode ser entendido como retornos individuais esperados () ponderados pela proporção de cada investimento em relação ao total investido, ou seja, em função de pesos (
). Onde
= 1. Para um portfólio de 2 investimentos, por exemplo, o retorno esperado do portfólio seria expresso por:
Embora o valor esperado do portfólio possa ser expresso apenas pelos valores esperados dos retornos individuais ponderados pelos pesos, esse não é o caso da função de variância. A variância do portfólio será expressa por:
Observe que, por conta da propriedade da função de variância, a variância do portfólio não é determinada apenas pela ponderação das variâncias dos retornos isolados, mas pelo termo da covariância entre os dois, que captura a dependência entre eles. Isso é o que produz o efeito da diversificação, que permite otimizar a relação risco/retorno a partir das escolhas dos pesos.
Um dos aspectos importantes de se calcular o Value-at-Risk para tomada de decisão é entender qual ativo ou combinação de ativos contribui mais para o risco. Com essa informação, investidores podem alterar suas posições para obter VaRs mais eficientes. Em função do efeito de diversificação, os VaRs individuais somados não são iguais ao VaR de um portfólio.
Exemplo:
Você investe em duas moedas estrangeiras: 6 milhões em Dólares Canadendses e 2 milhões em Euros.
Fatores de risco: Taxa de câmbio R$/CAD e R$/Euro
Desvio-Padrão de R$/CAD = 4%
Desvio-Padrão de R$/Euro = 15%
Covariância entre as taxas = -0,06% (correlação de -0,1)
Para um VaR da carteira a 95%, 1 período:
Enquanto os VaR individuais seriam:
Portanto, o efeito da diversificação é:
Value-at-Risk no setor bancário
Ao redor do mundo, o arcabouço do Value-at-Risk têm um papel importante na regulação do sistema bancário. No Brasil, as instituições financeiras seguem as diretrizes do Acordo de Basileia por meio de normas do Banco Central, que estabelecem as regras para diversos aspectos do gerenciamento de risco.
Um desses aspectos está relacionado ao montante de capital exigido para uma determinada instituição bancária tendo em vista o risco assumido no seu portfólio. Por exemplo, a resolução 4.193/2013 do Banco Central estabelece o capital regulatório (composto por ações ordinárias, reservas, lucros acumulados e outros) mínimo que um banco deve ter para absorver possíveis perdas. Segundo a norma, esse capital deve representar, no mínimo, 8% dos ativos ponderados pelo risco (Risk Weighted Assets – RWA).
A estimação do RWA para o risco de mercado com base no modelo interno pode ser feita por meio do Value-at-Risk. Nesse caso, o RWA pode ser obtido pela seguinte fórmula:
Onde,
= valor do VaR estimado no dia (período de 10 dias, 99%)
= Média dos últimos 60 dias úteis do VaR diário
= valor do VaR estimado com dados de períodos de estresse financeiro (período de 10 dias, 99%)
F = Fator definido pelo regulador (por exemplo, 8%)
● Análise de viabilidade: Empresas podem usar o VaR para estimar o risco financeiro de grandes investimentos, como fábricas, expansão de negócios ou fusões e aquisições.
● Comparação de projetos: O VaR pode ser aplicado para medir a exposição ao risco de diferentes projetos, ajudando na escolha da opção com melhor relação risco-retorno.
● Riscos de mercado e operacionais: Projetos podem estar sujeitos a riscos cambiais, variações no preço de commodities e mudanças macroeconômicas, e o VaR ajuda a quantificá-los.
● Decisão sobre derivativos: Empresas usam o VaR para definir o volume de contratos futuros, swaps e opções para mitigar riscos de preço e câmbio.
● Gestão de exposição a commodities: Empresas do setor agrícola, petróleo e mineração utilizam o VaR para decidir estratégias de hedge contra oscilações de preço.
● Definição de alavancagem: Empresas podem calcular o VaR para medir a adequação da sua estrutura de capital e evitar assumir riscos excessivos.
● Gestão de crédito: Bancos e empresas avaliam o risco de inadimplência utilizando o VaR para determinar limites de crédito e taxas de juros.
● Risco operacional: Além de risco financeiro, o VaR pode ser aplicado para quantificar perdas potenciais devido a fraudes, falhas tecnológicas ou problemas regulatórios.
● Risco de supply chain: Empresas industriais e varejistas usam o VaR para medir a exposição a disrupções na cadeia de suprimentos.
Considerações finais
Nas últimas décadas, houve um avanço significativo nas metodologias de estimação do Value-at-Risk (VaR), refletindo a crescente sofisticação dos modelos de mensuração de risco no contexto da gestão financeira. Um estudo recente de Calmon et al. (2021) realiza uma extensa comparação entre quatro das abordagens mais consagradas: o modelo condicional autorregressivo de VaR (CAViaR), a teoria de valores extremos (EVT), a simulação histórica filtrada (FHS) e os momentos condicionais de ordem superior variáveis no tempo. A partir de uma investigação empírica com 80 ativos financeiros e de uma ampla simulação de Monte Carlo, os autores concluem que, apesar das diferenças metodológicas, a maioria dos modelos não impõe dificuldades computacionais relevantes. No entanto, a EVT se destaca como a técnica com melhor desempenho na maior parte dos testes de backtesting e medidas de performance, seguida pela FHS. Esses achados reforçam o papel crescente da EVT como ferramenta robusta para captura de riscos extremos e sugerem sua adoção como alternativa preferencial na estimação do VaR em ambientes de alta volatilidade.
Referências
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução n. 4.193, de 1º de março de 2013.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular n° 3.646, de 4º de março de 2013.
Calmon, W., Ferioli, E., Lettieri, D., Soares, J., & Pizzinga, A. (2021). An extensive comparison of some well‐established value at risk methods. International Statistical Review, 89(1), 148-166.
COSO. Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission. Enterprise Risk Management: Integrated Framework. 2017
DAMODARAN, A. Gestão Estratégica do Risco. Porto Alegre: Bookman, 2009.
Jorion, P. Value at Risk: The New Benchmark for Managing Financial Risk. 3rd Ed. McGraw-Hill. 2006
PANJER, H.H.. Operational Risk: Modeling Analytics. Wiley-Interscience, 2006.
SAUNDERS, A., ALLEN, L. Credit Risk Measurement: New Approaches to Value at Risk and Other Paradigms. John Wiley, 2002.