O objetivo da análise financeira é avaliar o desempenho de uma empresa no âmbito de suas metas e estratégia. Há duas ferramentas principais de análise financeira: de índices e do fluxo de caixa. Análise por meio de índices envolve uma avaliação de como vários itens de linha nas demonstrações financeiras de uma empresa estão relacionados uns aos outros. A análise do fluxo de caixa permite que o analista examine a liquidez de uma empresa e avalie a gestão dos fluxos de caixa operacional, de investimento e de financiamento.
A análise financeira é usada em uma variedade de contextos. A análise por meio de índices, a qual compara o desempenho presente de uma empresa com seu desempenho passado e/ou com o desempenho de seus pares, fornece o fundamento para fazer previsões sobre o desempenho futuro. Sendo assim, a previsão financeira é útil na avaliação da empresa, na avaliação do crédito, na previsão de dificuldades financeiras, na análise de segurança e na análise de fusões e aquisições.
Palepu e Healy (
O valor de uma empresa é determinado por sua rentabilidade e seu crescimento. Conforme mostrado na Figura acima, o crescimento e a rentabilidade de uma empresa são influenciados por suas estratégias de mercado de produto e de mercado financeiro. A estratégia de mercado de produto é implementada por meio da estratégia competitiva da empresa, das políticas de funcionamento e das decisões de investimento. As estratégias de mercado financeiro são implementadas mediante as políticas de financiamento e dividendos.
Assim, as quatro alavancas que os gestores podem usar para alcançar seus objetivos de crescimento e de lucro são: (1) gestão operacional, (2) gestão de investimento, (3) estratégia de financiamento e (4) política de dividendos. O objetivo da análise por meio de índices é avaliar a
eficiência das políticas da empresa em cada uma dessas áreas. Uma análise por meio de índices eficiente deve relacionar os números financeiros a fatores subjacentes da empresa o mais detalhadamente possível. Mesmo que a análise por meio de índices não possa dar a um analista todas as respostas sobre o desempenho de uma empresa, ela o ajudará a elaborar questões para uma sondagem adicional.
Na análise por meio de índices, o analista pode: (1) comparar os índices de uma empresa ao longo de vários anos (uma comparação de série temporal); (2) comparar índices da empresa e de outras empresas do setor (comparação em corte transversal); e/ou (3) comparar índices com alguns
benchmarks absolutos. Em uma comparação temporal, o analista pode manter constantes fatores específicos da empresa e examinar a eficiência da estratégia de uma empresa ao longo do tempo. A comparação em corte transversal facilita o exame do desempenho relativo de uma empresa dentro de seu setor, mantendo constantes fatores no âmbito do setor. Para a maioria dos índices, não há referência absoluta.
O ponto de partida para uma análise sistemática do desempenho de uma empresa é o retorno sobre patrimônio (ROE) definido como:
ROE =
Lucro Líquido/Patrimônio Líquido
O ROE é um indicador abrangente do desempenho de uma empresa porque fornece uma indicação de quão bem os gerentes estão empregando os recursos investidos pelos acionistas da empresa para gerar retornos.
No longo prazo, o valor do patrimônio da empresa é determinado pela relação entre seu ROE e seu custo de capital próprio. Isto é, empresas que deveriam no longo prazo gerar ROEs acima do custo de capital próprio devem ter valores de mercado acima do valor contábil e vice-versa.
Uma comparação do ROE com o custo do capital é útil não somente para analisar o valor da empresa, mas também para considerar o caminho de rentabilidade futura. A geração de rentabilidade supranormal consistente vai, com exceção de obstáculos significativos à entrada, atrair a concorrência. Por esse motivo, os ROEs tendem ao longo do tempo a ser conduzidos por forças competitivas no sentido de um nível “normal” – o custo de capital próprio.
Assim, alguém pode pensar no custo do capital próprio como estabelecendo um valor de referência para o ROE que seria observado em um equilíbrio competitivo de longo prazo. Os desvios a partir desse nível surgem por dois motivos gerais. O primeiro são as condições do setor e a estratégia competitiva que fazem que uma empresa gere lucros econômicos supranormais (ou subnormais) pelo menos no curto prazo. O segundo são as distorções por causa da contabilidade.
Decompondo a rentabilidade
O ROE é um indicador fundamental dado sua conexão com o custo de capital para um investidor. Sendo assim, podemos entender a análise do desempenho financeiro de uma empresa a partir da decomposição do ROE. Ficará claro, ao longo deste texto, que o ROE é influenciado por um conjunto grande de outros indicadores e que se pode explorar um amplo conjunto de decisões corporativas a partir da decomposição desse indicador.
A princípio, podemos entender o ROE como o resultado de dois fatores: como a empresa emprega seus ativos de modo rentável e em qual proporção a base de ativos da empresa está relacionada com o investimento dos acionistas. Para compreender o efeito desses dois fatores, o ROE pode ser decomposto em retorno sobre ativos (ROA) e em uma medida de alavancagem financeira, conforme a seguir:
O ROA nos diz quanto lucro uma empresa é capaz de gerar para cada real investido nos ativos. Observa-se que, diferente do ROE, o ROA desconsidera o fato de que a rentabilidade dos ativos é dividida entre acionistas e credores. O efeito dessa divisão entre acionistas e credores está representado na alavancagem financeira, que indica quantos reais dos ativos a empresa pode dispor para cada real investido por seus acionistas. Por exemplo, se uma empresa apresenta um ROE de 15% e um ROA de 10%, podemos dizer que parte da rentabilidade dos acionistas (nesse caso, 5%) é proveniente da alavancagem financeira, ou seja, da aplicação de recursos de terceiros em ativos que geram um retorno superior ao que os credores cobram para financiá-los.
O ROA, no entanto, pode ser decomposto em mais duas parcelas, conforme equação abaixo:
O índice lucro líquido sobre vendas é chamado de margem líquida, e o índice resultante da divisão das vendas pelos ativos é conhecido como giro dos ativos. O índice da margem de lucro indica quanto a empresa é capaz de manter como lucro para cada real de vendas que ela fizer. O giro dos ativos indica quantos reais de vendas a empresa é capaz de gerar para cada real de seus ativos. A ideia com essa decomposição é demonstrar que existe mais de uma forma de uma empresa aumentar a lucratividade dos seus ativos. Por exemplo, uma empresa pode buscar aumentar seu ROA aumentando a margem líquida, isso pode acontecer se os gestores tomarem decisões que reduzam as despesas operacionais, isso aumentaria o lucro líquido e, por consequência, o ROA. Contudo, uma empresa pode aumentar o ROA por meio de políticas que aumentem suas vendas,
isso poderia aumentar o giro do ativo e, por consequência, o ROA.
A decomposição do ROE acima mencionada é simples, útil, mas relativamente limitada. Para entender com maior profundidade as decisões
que afetam o ROE, será preciso uma decomposição mais completa desse indicador.
Deve-se reconhecer que o Lucro Líquido é resultado do desempenho operacional e financeiro. Isto é, ele é resultado de despesas e receitas operacionais e financeiras. Contudo, para uma boa análise das demonstrações contábeis, é importante separar esses componentes. Sendo assim, o
Lucro Líquido pode ser dividido entre (1) Lucro Operacional Líquido após Impostos (Net Operating Profit After Taxes – NOPAT) e (2) Despesas financeiras líquidas (despesas menos receitas) após impostos.
Similarmente, os ativos e passivos podem contemplar tanto itens operacionais (por exemplo, estoques e fornecedores), quanto itens financeiros (por exemplo, caixa e empréstimos a pagar). Sendo assim, podemos separar esses itens e avaliar o aspecto operacional por meio do seu valor líquido. Ou seja, os ativos operacionais líquidos seriam o resultado de subtrair os passivos operacionais (de curto e longo prazo) dos ativos operacionais (de curto e longo prazo). Com isso, poderíamos avaliar a necessidade de financiamento da empresa a partir da demanda de suas operações. Como consequência, o ROE poderia ser decomposto da seguinte forma:
Onde,
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O ROA operacional é uma medida sobre com qual rentabilidade uma empresa consegue dispor seus ativos operacionais para gerar lucros operacionais. Este seria o ROE de uma empresa se ela fosse financiada inteiramente com capital próprio. O spread é o efeito econômico da introdução incremental da dívida na estrutura de capital. Esse efeito econômico do empréstimo é positivo desde que o retorno sobre ativos operacionais seja maior que o custo dos empréstimos. As empresas que não obtiverem retorno operacional adequado para pagar o custo dos juros reduzem seu ROE por meio da utilização de empréstimos. Tanto o efeito positivo quanto o negativo são ampliados até o ponto em que uma empresa toma emprestado em relação à sua base patrimonial. O índice dívida líquida dividido pelo patrimônio líquido fornece uma medida dessa alavancagem financeira líquida. O spread de uma empresa multiplicado por sua alavancagem financeira líquida, portanto, fornece uma medida do ganho da alavancagem financeira para os acionistas.
O ponto de referência adequado para avaliar o ROA operacional é o custo médio ponderado da dívida e do capital próprio, ou WACC (Weighted Average Cost of Capital). No longo prazo, o valor dos ativos de uma empresa é determinado pelo modo como seu ROA operacional se compara a essa regra. Além disso, no longo prazo e com exceção de algumas barreiras para as forças competitivas, o ROA operacional tende a ser empurrado na direção do custo médio ponderado do capital. Uma vez que o WACC normalmente é inferior ao custo do capital próprio, o ROA operacional ao longo do tempo tende a ser empurrado na direção de um patamar mais baixo que o ROE.
Avaliação da gestão operacional: decomposição das margens de lucro líquido
A margem de lucro líquido de uma empresa (margem líquida), mostra a rentabilidade das atividades operacionais da empresa. A decomposição adicional da margem líquida permite que um analista avalie a eficiência da gestão operacional da empresa. Uma ferramenta popular usada nessa análise é a análise vertical da demonstração do resultado, em que todos os itens de linha são expressos como uma porcentagem das receitas de vendas.
A margem líquida pode ser decomposta da seguinte forma:
A diferença entre as vendas e o custo das vendas de uma empresa é o lucro bruto. A margem bruta de lucro (simplesmente “margem bruta”) é uma indicação de até onde as receitas ultrapassam os custos diretos associados às vendas.
A margem bruta é influenciada por dois fatores: (1) o preço relativo dos produtos ou dos serviços que uma empresa opera no mercado e (2) a eficiência do processo de compra e produção de uma empresa. O preço relativo dos produtos ou serviços que uma empresa pode operar é influenciado pelo grau de concorrência e quanto seus produtos são únicos. O custo das vendas da empresa pode ser baixo quando ela puder comprar seus insumos a um custo operacional mais baixo que a concorrência e/ou conduzir seus processos de produção mais eficientemente. Esse geralmente é o caso quando uma empresa possui uma estratégia de custo baixo.
A outra parcela da margem líquida, que inclui as demais despesas, captura todas as outras despesas não relacionadas à produção ou compra. Isso inclui despesas operacionais líquidas e despesas financeiras líquidas. As despesas operacionais líquidas incluem principalmente despesas de vendas, gerais e administrativas (SG&A) de uma empresa são influenciadas pelas atividades operacionais com as quais ela deve se comprometer para
implementar sua estratégia competitiva.
Empresas com estratégias de diferenciação devem empreender atividades para alcançar essa diferenciação. Uma empresa que competir com base na qualidade e na rápida introdução de novos produtos provavelmente terá custos de P&D maiores em relação a uma empresa que compete puramente em uma base de custo. Da mesma forma, uma empresa que tenta construir uma imagem de marca, distribuir seus produtos por meio de varejistas de serviço completo e oferecer significativo serviço ao cliente provavelmente terá custos de venda e administrativos maiores em relação a uma empresa que vender por meio de atacarejo e não fornecer muito suporte ao cliente.
As despesas de vendas, gerais e administrativas de uma empresa também são influenciadas pela eficiência com a qual ela administra suas despesas relativas às atividades gerais. O controle de despesas operacionais provavelmente será importante para empresas que competem com base em baixo custo. No entanto, mesmo para diferenciadores, é importante avaliar se o custo de diferenciação é proporcional ao preço relativo obtido no mercado.
Avaliação da gestão de investimentos: decomposição do giro dos ativos
O giro dos ativos é o segundo direcionador do retorno sobre patrimônio líquido de uma empresa. Uma vez que as empresas investem recursos consideráveis em seus ativos, a utilização produtiva deles é fundamental para a rentabilidade global. Uma análise detalhada do giro dos ativos permite que o analista avalie a eficiência da gestão dos investimentos de uma empresa. Existem duas áreas principais de gestão dos investimentos: (1) gestão de capital de giro e (2) gestão dos ativos de longo prazo, ambas discutidas em mais detalhes a seguir.
O capital de giro é definido como a diferença entre os ativos circulantes e os passivos circulantes de uma empresa. No entanto, essa definição não distingue entre componentes operacionais (como contas a receber, estoques e contas a pagar) e componentes de financiamento (como caixa, títulos
negociáveis e empréstimos a pagar). Uma medida alternativa que faz essa distinção é o capital de giro operacional, definida como:
Capital de giro operacional = (Ativos circulantes – caixa e títulos negociáveis) – (Passivos
circulantes – Passivos financeiros de curto prazo)
Os componentes do capital de giro operacional nos quais os analistas se concentram são contas a receber, estoques e contas a pagar. Determinada parte do investimento em capital de giro é geralmente necessária para a empresa executar suas operações normais. Por exemplo, as políticas de crédito e as políticas de distribuição de uma empresa determinam seu nível ideal de contas a receber. A natureza do processo de produção e a necessidade de estoque de reserva determinam o nível ideal de estoque. Por último, contas a pagar são uma fonte rotineira de financiamento para o capital de giro da empresa, e práticas de pagamento em um setor determinam o nível normal de contas a pagar.
Os seguintes índices são úteis na análise da gestão do capital de giro de uma empresa: capital de giro operacional como percentual das vendas, giro do capital de giro operacional, giro das contas a receber, giro de estoque e giro de contas a pagar. Os índices de giro também podem ser expressos
em número de dias de atividade que o capital de giro operacional (e seus componentes) podem suportar. Esses índices são assim definidos:
O giro do capital de giro operacional indica quantos milhões de dólares de vendas uma empresa é capaz de gerar para cada dólar investido no capital de giro operacional. O giro de contas a receber, o giro de estoque e o giro de contas a pagar permitem que o analista examine quão produtivamente os três componentes principais do capital de giro estão sendo usados. Os períodos de recebimento de recebíveis, estoque e contas a pagar são outra forma de avaliar a eficiência da gestão de capital de giro de uma empresa.
Outra área da gestão de investimentos diz respeito à utilização dos ativos de longo prazo de uma empresa. É útil definir novamente o investimento de uma empresa em ativos de longo prazo:
Ativos líquidos de longo prazo = (Total de ativos de longo prazo – Passivos financeiros de longo
prazo)
Os ativos de longo prazo geralmente consistem de imobilizados (PP&E), ativos intangíveis como ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) e outros ativos. Passivos de longo prazo sobre os quais não incidem juros incluem itens como impostos diferidos. Definimos os ativos de longo prazo líquidos e o capital de giro líquido de tal forma que sua soma, ativos operacionais líquidos, seja igual à soma da dívida líquida e do patrimônio líquido ou do capital líquido. Isso é consistente com a forma como definimos o ROA operacional anteriormente no capítulo.
A eficiência com a qual uma empresa utiliza seus ativos de longo prazo líquidos é medida pelos dois índices a seguir: ativos de longo prazo líquidos como uma porcentagem de vendas e giro dos ativos de longo prazo líquidos, definidos como:
O imobilizado costuma ser o mais importante ativo de longo prazo no balanço patrimonial de uma empresa. A eficiência com a qual o PP&E de uma empresa é usado é medida pela razão do imobilizado contra vendas ou pela taxa de giro de imobilizado:
Avaliação da gestão financeira: análise da alavancagem financeira
A alavancagem financeira permite que uma empresa tenha uma base de ativos maior que seu patrimônio líquido. A empresa pode aumentar seu patrimônio por meio de empréstimos e criação de outros passivos, como contas a pagar, passivos acumulados e impostos diferidos. A alavancagem financeira aumenta o ROE de uma empresa desde que o custo dos passivos seja menor que o retorno do investimento desses recursos. A esse respeito, é importante distinguir entre passivos sobre os quais incidem juros, como empréstimos e financiamentos a pagar, e outras formas de dívida de curto prazo e de longo prazo sobre as quais incidem encargos explícitos de juros e outros passivos. Sobre algumas dessas outras formas de passivo, como contas a pagar ou impostos diferidos, não incide nenhum encargo de juros. Sobre outras, como obrigações de arrendamento financeiro e obrigações de planos de pensão, incide um encargo implícito de juros. Por último, algumas empresas mantêm grandes saldos de caixa
ou investimentos em títulos negociáveis. Esses saldos reduzem a dívida líquida de uma empresa porque conceitualmente ela pode quitar sua dívida usando seu caixa e seus investimentos de curto prazo.
Embora a alavancagem financeira possa potencialmente beneficiar os acionistas de uma empresa, ela também pode aumentar o risco. Ao contrário do patrimônio líquido, os passivos possuem termos de pagamento predefinidos, e a empresa enfrenta risco de dificuldades financeiras se deixar de cumprir esses compromissos. Há vários índices para avaliar o grau de risco que pode surgir da alavancagem financeira de uma empresa.
Os seguintes índices são úteis na avaliação do risco relacionado aos passivos circulantes de uma empresa:
Todos esses índices tentam medir a capacidade da empresa de saldar seus compromissos circulantes. Os três primeiros comparam os passivos circulantes de uma empresa com seus ativos de curto prazo que podem ser utilizados para saldar esses compromissos. O quarto índice concentra-se na capacidade das operações da empresa de gerar recursos necessários para saldar seus passivos circulantes.
Uma vez que tanto os ativos circulantes quanto os passivos circulantes têm prazo comparável, o índice de liquidez corrente é um índice essencial da liquidez de curto prazo de uma empresa. Pode-se entender um índice de liquidez corrente maior que 1 como uma indicação de que a empresa provavelmente pode saldar seus passivos circulantes com o caixa gerado pelos seus ativos correntes. No entanto, a empresa pode enfrentar um problema de liquidez de curto prazo mesmo com um índice de liquidez corrente superior a 1 quando alguns de seus ativos circulantes não forem fáceis de serem convertidos em caixa. O índice de liquidez imediata e o índice de liquidez de caixa capturam a capacidade da empresa de saldar seus passivos circulantes com ativos líquidos. O índice de liquidez imediata assume que as contas a receber de uma empresa são líquidas. Isso é verdadeiro em setores nos quais a reputação de crédito dos clientes é indiscutível, ou quando os recebíveis são recebidos num prazo muito curto. Quando essas condições não prevalecem, o índice de liquidez de caixa, que considera apenas caixa e títulos negociáveis, é uma melhor indicação da capacidade de uma empresa de cobrir seus passivos circulantes em uma emergência.
A alavancagem financeira de uma empresa é também influenciada por sua política de financiamento da dívida. O financiamento da dívida traz vários benefícios potenciais. Primeiro, a dívida normalmente é mais barata que o patrimônio líquido porque a empresa promete prazos de pagamento predefinidos aos titulares da dívida. Segundo, na maioria dos países, os juros sobre o financiamento de dívida são dedutíveis do imposto de renda, enquanto os dividendos aos acionistas não são dedutíveis do imposto de renda. Terceiro, o financiamento da dívida pode impor disciplina sobre a gestão da empresa e motivá-la a reduzir despesas inúteis. Quarto, para a dívida privada (por exemplo, empréstimos bancários), é provável que seja mais fácil para a gestão comunicar suas informações proprietárias sobre estratégias e prospectos aos credores privados do que aos mercados de capitais (já que os dados seriam acessíveis ao público em geral). Essa comunicação pode reduzir potencialmente o custo de capital de uma empresa. Por todas essas razões, é vantajoso para as empresas utilizar pelo menos um pouco da dívida em sua estrutura de capital. O fato de recorrer demasiadamente ao financiamento da dívida, porém, é potencialmente dispendioso para os acionistas da empresa. A empresa vai enfrentar problemas financeiros se ela inadimplir os pagamentos de juros e do principal. Os titulares da dívida também impõem restrições contratuais (covenants) sobre a empresa, restringindo as decisões operacionais, de investimento e financiamento da empresa.
A ótima estrutura de capital para uma empresa é determinada principalmente por seu risco de negócio. Os fluxos de caixa de uma empresa são altamente previsíveis quando há pouca concorrência ou há pouca ameaça de mudanças tecnológicas. Essas empresas têm um baixo risco operacional; daí que podem recorrer fortemente ao financiamento da dívida. Em contraste, se os fluxos de caixa operacionais de uma empresa forem altamente voláteis e suas necessidades de despesas de capital forem imprevisíveis, ela poderá ter de recorrer principalmente ao financiamento de capital. As atitudes dos gerentes com relação ao risco e à flexibilidade financeira também frequentemente determinam as políticas de financiamento de uma empresa.
Vários índices ajudam o analista nessa área. Para avaliar a combinação de dívida e de patrimônio na estrutura de capital de uma empresa, os seguintes índices são úteis:
O primeiro índice reformula um dos três principais índices subjacentes ao ROE, o índice de ativos sobre patrimônio (é o índice de ativos dividido pelo patrimônio líquido menos um). O segundo índice fornece uma indicação de quantos reais do financiamento da dívida a empresa está usando para cada real investido por seus acionistas. O terceiro índice usa a dívida líquida, que é a dívida total menos caixa e títulos negociáveis, como a medida de empréstimos de uma empresa. O quarto e o quinto índices medem a dívida como uma proporção do capital total. No cálculo de todos esses índices, é importante incluir todas as obrigações sobre as quais incidem juros, se o encargo de juros for explícito ou implícito. Lembre-se de que os exemplos dos itens de linha que carregam um encargo de juros implícito incluem obrigações de arrendamento financeiro e obrigações de planos de pensão.
Juntando tudo: avaliação da taxa de crescimento sustentável
Os analistas frequentemente utilizam o conceito de crescimento sustentável como uma forma de avaliar os índices de uma empresa de uma forma abrangente. A taxa de crescimento sustentável de uma empresa é definida como:
Taxa de crescimento sustentável = ROE x (1 – Índice de pagamento de dividendos)
O índice de pagamento de dividendos é definido como
O índice de pagamento de dividendos de uma empresa é uma medida de sua política de dividendos. As empresas pagam dividendos por várias razões. Eles proporcionam uma maneira de retorno aos acionistas de qualquer caixa gerado além das necessidades de operação e de investimento da empresa. Quando houver assimetrias de informações entre os gerentes de uma empresa e seus acionistas, os pagamentos de dividendos podem servir como um sinal aos acionistas sobre as expectativas dos gerentes da empresa sobre o futuro da empresa. As empresas também podem pagar dividendos para atrair certo tipo de base de acionista. Uma taxa de crescimento sustentável é a taxa em que uma empresa pode crescer sem alterar suas políticas financeiras e de rentabilidade.
O retorno sobre patrimônio líquido da empresa e sua política de pagamento de dividendos determina o conjunto de recursos disponíveis para o crescimento. É claro que a empresa pode crescer a uma taxa diferente de sua taxa de crescimento sustentável se sua rentabilidade, sua política de pagamento ou sua alavancagem financeira mudar. Por conseguinte, a taxa de crescimento sustentável fornece um ponto de referência contra o qual os planos de crescimento de uma empresa podem ser avaliados.
Como uma consideração final, é importante assegurar que as demonstrações financeiras da empresa que está sendo analisada não incluam nenhum dado adicional que possa distorcer a análise. Uma vez que a finalidade da análise da demonstração financeira é compreender melhor o desempenho da empresa no que diz respeito à sua estratégia, é preciso tomar cuidado para que nenhuma operação ou evento estranho à estratégia alterem a imagem que o analista cria da empresa. As principais categorias dessas distorções incluem ajustes únicos de ativos e resultados de operações descontinuadas, além de ganho ou perda na alienação dessas operações. Nesses casos, é útil analisar os resultados financeiros das operações principais da empresa ajustando as demonstrações financeiras apresentadas para excluir o impacto de efeitos únicos.
Além disso, é preciso considerar o efeito das políticas contábeis ao comparar empresas ao longo do tempo e em relação aos seus pares. Tudo que foi apresentado até então pressupõe que não há distorções contábeis relevantes e as demonstrações contábeis representam fidedignamente o que se propõe representar. Esse pode não ser o caso, no entanto, quando levamos em consideração o nível de julgamento exigido das empresas nas estruturas normativas atuais (International Financial Reporting Standards – IFRS) na aplicação das políticas contábeis. Isso evidenciado pela literatura científica, por exemplo, em alguns estudos recentes apresentados abaixo:
Anderson (2023) – Evidencia por meio de experimento que a falta de comparabilidade dos relatórios contábeis prejudica a alocação de investimento por parte dos investidores.
Sarquis et al. (2023) – Mostra que a adoção do IFRS 11 diminuiu a comparabilidade dos relatórios financeiros.
Liu et al. (2024) – Documenta que uma maior comparabilidade aumenta a informatividade do lucro para os investidores.
Anderson, S. B. (2023). The effect of financial statement incomparability on investment decisions. The Accounting Review, 98(3), 1-20.
Assaf Neto, A. (2023). Estrutura e análise de balanços: um enfoque econômico-financeiro (13 edição). Atlas.
Liu, D., Wang, Y., & Li, M. (2024). Comparable but is it informative? Accounting information comparability and price synchronicity. Journal of Financial Stability, 73, 101297.
Palepu, K. G., & Healy, P. (2016). Análise e avaliação de empresas: decisões e valuation usando demonstrativos financeiros. Cengage Learning.
Sarquis, R. W., dos Santos, A., Lourenço, I., & Braunbeck, G. O. (2022). The impact of the adoption of IFRS 11 on the comparability of accounting information. Accounting and Business Research, 52(6), 690-726.